FELIPE CAMA - Acervo: Outras Abordagens Vol. III – Por BRUNO MORESCHI

Páginas 648 e 649 da Série “Foi assim que me ensinaram”, 2012óleo sobre tela e livro em caixa de acrílico e madeira pintada170 x 60 x 50 cm • Doação Shopping Iguatemi São Paulo

Páginas 648 e 649 da Série “Foi assim que me ensinaram”, 2012

óleo sobre tela e livro em caixa de acrílico e madeira pintada

170 x 60 x 50 cm • Doação Shopping Iguatemi São Paulo



Mais pertinente, impossível: a imagem fotográfica acima é a de um trabalho que discute justamente a fotografia do objeto artístico. Páginas 648 e 649 da Série “Foi assim que me ensinaram”, do artista Felipe Cama, reproduz em tinta a óleo as imagens de obras que aparecem em livros de arte – no caso, Arte Moderna, do crítico italiano Giulio Carlo Argan. Agora, a fotografia da obra de Cama está nesta publicação que você tem em mãos. E, no exato momento que você a vê, ela passa pelas mesmas transformações que o objeto artístico criado por Cama tanto discute.

A imagem acima não é mais o livro, as pequenas telas, a caixa de vidro de Cama. Trata-se de uma fotografia. Do registro do ponto de vista de algum fotógrafo com um poder de ação bem maior do que sugerem as diminutivas letras que formam seu nome nos créditos deste livro – afinal, ele é o verdadeiro autor da imagem que se vê por aqui. Como se não bastasse, para além do clique, a imagem é também impressão, cor, textura de papel, tamanhos reduzidos ou ampliados ditados pelos projetos gráficos dos livros – o de Argan e deste.

O trabalho de Cama, a fotografia do trabalho de Cama, a reprodução da fotografia do trabalho de Cama e a escrita sobre o trabalho de Cama, sobre a fotografia do trabalho de Cama e sobre a reprodução da fotografia do trabalho de Cama produzem esse movimento labiríntico que deixaria Jorge Luis Borges orgulhoso. Ora esquecemos, ora conscientemente ignoramos para seguirmos em frente, mas toda essa confusão deixa claro que a História da Arte é em grande parte a História da fotografia da obra de arte. Não por acaso, ninguém verdadeiramente importa-se que a A Fonte de Duchamp foi destruída. Antes de seu desaparecimento, ela foi fotografada. Temos o registro. E é através dele e das réplicas autorizadas pelo artista francês que estudamos o trabalho que já não existe mais. Ou existe? O trabalho não é justamente suas imagens?

Em sua obra, que infelizmente nunca poderemos ver na totalidade, Cama foi engenhoso ao perceber que dentro da impossibilidade de se ver uma obra de arte há uma região que não é privação, mas afirmação. Refazer algumas das possíveis imagens de obras é reiterar a impossibilidade de vê-la de fato. O procedimento gera intrigantes consequências. E culmina em afirmar que o trabalho acima está longe de ser o trabalho de Felipe Cama discutido neste texto.

Publicado originalmente no e-book Acervo: Outras Abordagens Vol. III / MAC USP - Org. Tadeu Chiarelli, editora EDUSP, 2015.